Ministério Público mira advogados do desastre de Mariana

Ação civil pública acusa escritórios de incluírem “cláusulas abusivas” em contratos e pede indenização de R$ 45,5 milhões

Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, Minas Gerais.
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Na imagem, escombros de uma escola em Bento Rodrigues, em Mariana (MG), 4 dias depois do rompimento da barragem da mineradora Samarco, em novembro de 2015
Copyright Rogério Alves/TV Senado - 19.nov.2015

O MPF (Ministério Público Federal) em parceria com outras instituições ajuizou, na 6ª feira (16.mai.2025), uma ação civil pública, com pedido de tutela de urgência, contra os escritórios de advocacia Pogust Goodhead Ltd. e Felipe Hotta Advocacia, por práticas contratuais abusivas e danos morais às vítimas do rompimento da barragem de Mariana (MG), ocorrido em 2015.

Além do MPF, o MP-ES (Ministério Público do Espírito Santo), o MP-MG (Ministério Público de Minas Gerais), a DPU (Defensoria Pública da União), a Defensoria Pública do Espírito Santo e a Defensoria Pública de Minas Gerais também são autores da ação. Leia a íntegra do documento (PDF – 6 MB).

A Pogust Goodhead Law Ltd. é um escritório de advocacia localizado em Londres, que propôs uma ação coletiva contra a BHP Billiton, representando mais de 700 mil brasileiros impactados pela tragédia ambiental, alegando responsabilidade civil da empresa pelo desastre. O escritório inglês atua, no Brasil, em “colaboração institucional” com o Felipe Hotta Advocacia.

Segundo a ação civil, contudo, o escritório estaria impondo “cláusulas abusivas” em seus contratos com os atingidos, produzindo incerteza sobre os direitos das vítimas do rompimento da barragem.

Os atingidos pelo desastre sofreram severos impactos econômicos, sociais, ambientais e de saúde. Milhares de pessoas perderam suas casas, suas terras e meios de subsistência, especialmente agricultores, pescadores e comunidades tradicionais, que dependiam diretamente do rio Doce e de seus arredores para sobreviver”, lê-se na ação conjunta.

Entre as cláusulas contratuais consideradas abusivas, de acordo com a ação, estão:

  • honorários – Cobrança de honorários sobre indenizações obtidas no Brasil, inclusive aquelas decorrentes de acordos nos quais o escritório não atuou;
  • rescisão – restrições à rescisão contratual pelos atingidos;
  • multa por desistência ­– previsão de pagamento ao escritório mesmo em caso de desistência da ação inglesa;
  • desestímulo a acordos – divulgação de campanhas que desencorajam os atingidos a aderirem aos programas de indenização.

O texto afirma que a Pogust Goodhead Ltd.D também impôs cláusula de foro exclusivo na Inglaterra e previsão de arbitragem em Londres, com idioma inglês e aplicação da lei inglesa, cuja prática é considerada abusiva e incompatível com a vulnerabilidade dos contratantes, brasileiros e, em sua maior parte, de baixa renda e com pouco acesso à informação jurídica.

Obrigar cidadãos brasileiros em condição de vulnerabilidade a litigar em uma jurisdição estrangeira representa uma violação direta ao princípio do acesso à justiça e à garantia de ampla defesa”, acrescenta a ação civil.

A ação civil pública requer o pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 45,5 milhões, valores que seriam revertidos a “fundos públicos destinados à promoção de direitos coletivos e à reparação dos danos sociais causados pelo abuso contratual aqui denunciado”.

Além disso, pede o reconhecimento da nulidade das cláusulas abusivas nos contratos, uma garantia de que os atingidos possam receber indenizações no Brasil sem serem penalizados, e a proteção do direito de livre escolha e autodeterminação das vítimas.

Procurados pelo Poder360, o escritório Hotta Advocacia, até o momento, não respondeu. O espaço segue aberto para manifestações.

OUTRO LADO

O escritório Pogust Goodhead enviou nota ao Poder360 na tarde de sábado (17.mai). Declarou não ter sido notificado oficialmente e que soube das informações por meio da imprensa. Disse ser alvo de uma campanha de lawfare, que visa a “prejudicar o direito já reconhecido pela Justiça inglesa dos atingidos de buscarem uma indenização integral”.

Leia a íntegra:

“Em relação à referida Ação Civil Pública com pedido de tutela de urgência, ajuizada pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES) e outras instituições, o escritório internacional Pogust Goodhead esclarece que:

“O Pogust Goodhead não foi notificado oficialmente e conhece apenas as informações veiculadas na imprensa.

“Faltando menos de 10 dias para o fim do prazo de adesão ao PID, o escritório Pogust Goodhead é mais uma vez alvo de uma campanha de lawfare. Tal estratégia, como em episódios anteriores, visa a prejudicar o direito – já reconhecido pela Justiça inglesa – dos atingidos de buscarem uma indenização integral e pressionar os mesmos a aceitarem os termos de um acordo incompatível com os danos sofridos.

“Os contratos do PG são regidos pela lei inglesa e estão em vigor desde 2018, mas somente agora estão sendo questionados. Isso porque foi constatado que o PID não teve a adesão massiva esperada e que centenas de milhares de pessoas decidiram continuar litigando na Inglaterra em busca de reparação integral.

“Em cumprimento com sua função de advogados, o Pogust Goodhead vem ativamente esclarecendo seus clientes sobre as condições e consequências da eventual adesão à repactuação que, de acordo com os termos impostos pelas mineradoras, obriga os aderentes a renunciarem a ações judiciais no Brasil e no exterior caso optem por programas como o PID. Diante disso, o Comitê representativo dos clientes aprovou, em 26 de fevereiro e por unanimidade, uma resolução recomendando aos atingidos a não-adesão aos referidos programas.

“Diversas autoridades públicas brasileiras, incluindo o presidente do STF em ao menos três ocasiões, já admitiram que a existência do processo na Inglaterra exerceu uma pressão decisiva para que o acordo no Brasil fosse concluído, depois de quase uma década de idas e vindas nas negociações.

“No acordo da repactuação, as mineradoras impuseram critérios rígidos de elegibilidade que deixaram de fora mais de 400 mil autores da ação contra a BHP em Londres. Esses atingidos têm o processo inglês como único meio para buscar reparação pelo maior crime ambiental da história do Brasil.

“Em relação à atualização dos contratos com o Pogust Goodhead, não há qualquer mudança material nas condições nem nos percentuais a serem cobrados pela firma, que recebe honorários apenas em caso de êxito e, para indígenas e quilombolas, atua pro-bono”.


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OSZAR »